A ortotanásia é sensível ao processo de humanização da morte e alívio das dores
Morte digna, sem abreviações desnecessárias nem sofrimentos adicionais, isto é, “morte em seu tempo certo”. Com o prefixo grego
orto, que significa “correto”, e
thanatos,
que significa “morte”, “ortotanásia” tem o sentido de morte “em seu
tempo certo”, ou seja, “morte pelo seu processo natural”, sem
abreviações nem prolongamentos desproporcionais ao processo de morrer.
Portanto, a ortotanásia acontece quando o paciente já não dispõe mais de
nenhum recurso terapêutico capaz de reverter seu quadro. Já atingiu o
estágio de irreversibilidade.
Foto: Wesley Almeida/cancaonova.com
A ortotanásia, diferente da distanásia, é sensível ao processo de
humanização da morte e alívio das dores, e não incorre em prolongamentos
abusivos com a aplicação de meios desproporcionados que imporiam
sofrimentos adicionais. Portanto, implica dispensar o uso de recursos
extraordinários quando não há a mínima esperança de cura ou de melhoria
da qualidade da vida. A prudência e a ética exigem que médicos e
parentes mais próximos (especialmente quando o paciente está
inconsciente e não reúne condições para oferecer uma opinião) concordam
com o processo.
Aceitação da morte natural
Não dispensando medidas analgésicas e humanistas cabíveis, como a
hidratação, nutrição, eventual assistência psicológica e religiosa, isso
consiste na aceitação razoável da morte natural, mediante eventual
desligamento de aparelhos de manutenção artificial de uma vida nem
sempre consciente, como justificou Pio XII (“Discurso do Papa Pio XII
sobre a anestesia” de 24/02/1957).
É a situação em que se reconhece a inutilidade do tratamento para
manter vivo o paciente. Nesse caso, recorre-se aos cuidados paliativos
sem, contudo, utilizar meios para abreviar a vida. É situação
intermediária entre a eutanásia (abreviar a vida) e a distanásia
(prolongamento indevido do processo de morrer). Por isso, a prática da
ortotanásia visa evitar a eutanásia e a distanásia ou, como afirma Leo
Pessini, “não devemos abreviar a vida nem a prolongar, mas sim humanizar
e cuidar”.
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A ortotanásia dá assistência médica e afetiva ao paciente terminal, para
ele morrer com tranquilidade. Nesse caso, o doente recebe cuidados e
medicamentos paliativos, que não vão curá-lo, mas evitam um sofrimento
maior até o momento em que a morte venha naturalmente.
Segundo a Resolução 1.805/2006 do Conselho Federal de Medicina (CFM),
é o procedimento pelo qual o paciente em fase terminal ou o seu
representante legal decide renunciar ao uso de terapêuticas consideradas
invasivas, e o médico limita ou suspende procedimentos e tratamentos
dolorosos e prolongados para amenizar os sintomas que acarretam o
sofrimento. Portanto, essa prática é apresentada como manifestação da
morte boa ou morte desejável.
O Código de Ética Médica ratifica a ortotanásia, e os médicos podem
ministrar somente os cuidados paliativos, que auxiliarão o doente a
tolerar melhor a dor e suavizar o sofrimento. Com isso, pode-se entender
que é dever do médico praticar a ortotanásia quando solicitada pelo
paciente terminal.
Princípios ético-cristãos
A bioética, neste caso, está intrinsecamente ligada ao cuidado, aos
prolongamentos e às abreviações da vida. Ela prega, na verdade, a
ortotanásia, que é a morte no seu tempo certo, reta, digna, sensível ao
processo de humanização.
Como afirma o Catecismo da Igreja Católica
(2279): “Mesmo quando a morte é considerada iminente, os cuidados
comumente devidos a uma pessoa doente não podem ser legitimamente
interrompidos. O emprego de analgésicos para aliviar os sofrimentos do
moribundo, ainda que com o risco de abreviar seus dias, pode ser
moralmente conforme a dignidade humana se a morte não é desejada, nem
como fim nem como meio, mas somente prevista e tolerada como inevitável.
Os cuidados paliativos constituem numa forma privilegiada de caridade
desinteressada. Por essa razão, devem ser encorajados”.
O Santo Papa João Paulo II, na carta Encíclica
Evangelium Vitae n.64,
ao escrever sobre a morte, diz: “No outro topo da existência, o homem
encontra-se diante do mistério da morte. Hoje, na sequência dos
progressos da medicina e num contexto cultural frequentemente fechado à
transcendência, a experiência do morrer apresenta-se com algumas
características novas. Com efeito, quando prevalece a tendência para
apreciar a vida só na medida em que proporciona prazer e bem-estar, o
sofrimento aparece como um contratempo insuportável, de que é preciso
libertar-se a todo custo.
A morte, considerada como “absurda” quando
interrompe inesperadamente uma vida ainda aberta para um futuro rico de
possíveis experiências interessantes, torna-se, pelo contrário, uma
“libertação reivindicada”, quando a existência é tida como já privada de
sentido, porque mergulhada na dor e inexoravelmente voltada a um
sofrimento sempre mais intenso”.
Ninguém está imune ou livre do sofrimento e da doença (é condição
humana). A experiência da doença revela a fragilidade da existência
humana, é uma possibilidade concreta, eticamente falando, de a pessoa
descobrir o valor da vida, porque ou lhe dá sentido ou fracassa, não tem
meio termo. A etapa final da vida merece ser cuidada assim como as
demais fases. Falecer com dignidade traz à discussão a qualidade de vida
no processo de morrer.
O paciente deve ter o direito de recusar tratamentos quando sente que
sua qualidade de vida está ameaçada, pois se procura a dignidade do
princípio ao fim da vida, afirma Leo Pessini e Bertachini. É um
interesse em humanizar o processo de morte de um paciente terminal, em
aliviar suas dores, em não pretender prolongar abusivamente sua
existência pela aplicação de meios desproporcionais.
A determinação de não delongar a vida é complexa
Conforme o teólogo Junges, a determinação de não delongar a vida é
complexa, entretanto, o limite para designar está claramente fechado à
percepção de morte digna associada à plena consciência das restrições de
intervenção. Parece claro que o utópico seria ouvir, sentir e pensar
com o indivíduo que sofre a amarga presença do evento inevitável da
morte, para dessa relação complexa surgir a solução mais apropriada
possível para cada caso.
A Dra. Maria Elisa Villas-Bôas, pediatra e doutora em Direito, afirma
que a ortotanásia é o objetivo médico quando já não se pode buscar a
cura, e visa prover conforto ao paciente, sem interferir no momento da
morte, sem encurtar o tempo natural de vida nem adiá-lo indevida e
artificialmente, possibilitando que a morte chegue na hora certa, quando
o organismo efetivamente alcançou um grau de deterioração
incontornável; e mais do que uma atitude, a ortotanásia é um ideal a ser
buscado pela Medicina e pelo Direito, dentro da inegabilidade da
condição de mortalidade humana.
A ortotanásia ou a morte como condição, que faz parte do nosso ciclo
natural, é aprovada pela Igreja Católica. Por isso, na fase terminal de
enfermidades graves e incuráveis, é permitido ao médico limitar ou
suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente,
garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que
levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral,
respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal (Res.
n.1.805/2006, CFM). O direito à morte digna, a partir da ortotanásia, é
fundamentado na dignidade da pessoa humana.
Na prática, a aplicação da ortotanásia deve levar em consideração
alguns princípios, a saber: a autonomia do paciente terminal ou dos seus
parentes próximos em decidir querer morrer dignamente; a
não-maleficência de não exagerar um tratamento fútil que lhe cause mais
dores e sofrimentos; na beneficência da promoção do alívio, do conforto,
do cuidado e da dignidade; e na justiça, na qual se para alguns não há
mais chance de cura, deve-se buscar promover o acesso ao tratamento para
aquele que pode se tornar sadio. É preciso considerar que o médico não é
obrigado a intervir no prolongamento da vida do paciente além do seu
período natural, salvo se tal lhe for expressamente requerido pelo
doente ou seus familiares.
Como afirma o teólogo espanhol Marciano Vidal, “a ortotanásia é uma
síntese ética do direito de morrer com dignidade e do respeito pela vida
humana”.
Fonte: Canção Nova