26/04/2017

'13 Reasons Why': um alerta para pais e educadores


A série ’13 Reasons Why’ trouxe o tema suicídio para debate

Nas últimas semanas, o tema suicídio ganhou destaque nos principais noticiários do mundo e Brasil devido ao jogo da “Baleia Azul” e da série produzida pela Netflix ’13 Reasons Why’ (os 13 porquês). Até então, tocar no tema suicídio era algo proibido e nefasto, apesar dos números oficiais mostrarem que há uma crescente mundial no ato de tirar a própria vida, sobretudo entre os adolescentes. A cada 40 segundos, uma pessoa comete suicídio no mundo, e essa é a segunda maior causa de morte entre os jovens.


Se podemos tirar algo de positivo desse perverso cenário, é que hoje as pessoas estão falando sobre o suicídio, e só quando encaramos o problema, sem reducionismos ou ideias simplistas, é que podemos chegar a soluções mais efetivas e preventivas.
Por que os adolescentes são vulneráveis?

Antes de tudo, cabe esclarecer aos pais que a temática da morte é algo muito comum – e diria natural – na adolescência. Nessa fase do desenvolvimento, o jovem passa por transformações radicais no seu físico e no seu psiquismo, as quais vão influenciar diretamente no seu comportamento. O cérebro será o comandante de todas as transformações físicas, emitindo sinais (hormônios) a todo o corpo, para que ele se transforme. Há uma enxurrada de novas informações que precisam ser processadas em um curto espaço de tempo, o que provoca tédio, angústia e depressão.

Em termos psíquicos, a criança é chamada a abandonar o mundo infantil, e a “morte” simbólica deste mundo interno também será, de alguma forma, manifestada no mundo externo. Nessa fase, é muito comum o adolescente manifestar terrores noturnos, sonhar com a morte dos pais, vestir-se de preto, curtir músicas barulhentas e depreciativas, identificar-se com as gangues, ter predileção por filmes de terror, acompanhados de uma agonia e tristeza que nem eles mesmos sabem dar nome. É nesse vácuo de tristeza e luto do mundo infantil que jogos macabros e séries com temáticas suicidas ganham espaço e, no pior dos casos, efetividade, principalmente se tal jovem estiver sendo negligenciado pelos seus cuidadores.

Sobre a série ’13 Reasons Why’

Sem entrar nos pormenores da obra, a série – inspirada em um livro homônimo de Jay Asher (2007), no Brasil lançado com o título “Os 13 Porquês” – trata de uma jovem adolescente que tirou a própria vida depois de sofrer vários tipos de bullyng por seus colegas na escola. Antes, porém, de tirar a própria vida, a personagem principal grava 13 fitas k7 e as endereça a 13 pessoas que estão relacionadas aos motivos do seu suicídio.

A maior crítica sobre a obra é justamente o fato de ela exagerar na temática suicida, atribuindo um culpado (ou culpados) pela morte da personagem principal, e detalhando nas cenas os métodos que ela usou para tirar a própria vida, o que é desaconselhado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), pois serve de gatilho para pessoas comprometidas mentalmente.

Por outro lado, a série acerta ao abordar temáticas dolorosas do cotidiano dos adolescentes como bullying, conflitos familiares, abusos sexuais e emocionais, dentre outras, que são vividas em silêncio pelos jovens, o que causa angústia e conflitos profundos, sobretudo porque não encontram adultos preparados para lidar com suas questões onde mais precisavam: na família e na escola. Para se ter uma ideia do tamanho da identificação, o Centro de Valorização da Vida (CVV) duplicou o número de atendimento de pessoas pedindo ajuda contra o suicídio, a maioria jovens citando a série.
Posso deixar o meu filho assistir?

Essa é uma pergunta difícil de se responder, pois, ao se tratar de adolescente, pode ser que, enquanto nós discutimos a “permissão x proibição”, ele já tenha assistido. De verdade, não acho que a restrição seja o melhor caminho, a não ser que seu filho seja menor de 16 anos, como pede a classificação etária da série.

Por outro lado, também não aconselho que os pais deixem os filhos trancados no quarto, com seus computadores pessoais, sem nenhum tipo de filtro ou visão crítica da obra. Se seu filho está assistindo ou manifestou interesse, essa é uma ótima oportunidade para você sentar com ele e, juntos, debater temáticas e tabus que nós adultos e pais insistimos em colocar para debaixo do tapete, fingindo que nossos adolescentes vivem numa redoma de vidro.

A série é também totalmente desaconselhada para jovens e adultos que estão em situação de vulnerabilidade psíquica. Nesse sentido, é preciso que os pais estejam bem próximos e avaliem os possíveis efeitos danosos que a série pode trazer se seu filho apresenta sinais de algum sofrimento psíquico ou se estiver em tratamento.

Série não mata ninguém. O preconceito e a indiferença sim. A morte por suicídio não pode ser atribuída a uma série ou a um jogo. Como li de um psiquiatra, “culpar uma série de TV pela morte suicida de alguém é como culpar o termômetro por medir a febre”. Não adianta malhar uma obra pela morte de ninguém, pois muitas outras questões complexas estão envolvidas no longo percurso que uma pessoa fez até o desesperador ato de tirar a própria vida.
Existe um culpado?

Em 90% dos casos de suicídio, esteve aí envolvido um transtorno mental que não foi levado em consideração, por negligência ou puro preconceito. Este sim, pode ser considerado o “culpado” pela angústia suprema de alguém que tira a própria vida. Um jovem que comete suicídio deixa claros vestígios de que a dor na alma está difícil de suportar, e, muitas vezes, os pais acham que é “frescura”. A indiferença, a negligência de afeto, a falta de atenção e escuta dos filhos também podem contribuir para desfechos trágicos.

É verdade também que muitos adultos não sabem como lidar diante de situações limites dos jovens, ora por falta de informação ora por não saber a quem e como recorrer. Em geral, o sinal de atenção deve ser aceso por pais e educadores quando notarem mudanças bruscas no comportamento do jovem. Por exemplo: se uma menina tem hábitos de vaidade como maquiar-se, arrumar-se, estar sempre bem vestida e, de repente, mostra-se desleixada com o seu visual, é sinal de que algo não vai bem.

Leia mais:
::Baleia Azul: o jogo que tem levado adolescentes ao suicídio
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::O peso e a força da palavra no mundo contemporâneo
::Jovem, não se contente com o que é passageiro

Quando o abatimento, a tristeza, a reação antissocial e o isolamento tornam-se rotineiros no comportamento do adolescente, assim como qualquer outro sinal no corpo como cortes (automutilação) e perda de peso, os responsáveis não devem hesitar em procurar ajuda profissional como psicólogo ou psiquiatra. Vale lembrar também que existe o Centro de Valorização da Vida (CVV), que oferece apoio emocional e prevenção do suicídio pelo telefone 141 ou pelo site http://www.cvv.org.br/

Aos pais, eu digo: “Não ponham a culpa na ‘Baleia Azul’ ou no ’13 Reasons Why’, eles só ampliaram o pedido de socorro que nossos jovens estão gritando há muito tempo. Perceba se, ao manifestar desejo por uma coisa ou outra, o seu filho não esteja clamando por auxílio e amparo. É hora de rever nossas prioridades e não procurar fantasmas.



Autor: Daniel Machado
Fonte: Canção Nova

24/04/2017

Você é uma pessoa que vive constantemente alegre ou triste?


Não deixe a tristeza bater e seja uma pessoa alegre

“A alegria do coração é a vida da pessoa, tesouro inexaurível de santidade, a alegria da pessoa prologa-lhe a vida. Tem compreensão contigo mesmo e consola teu coração; afugenta para longe de ti a tristeza. A tristeza matou a muitos e não traz proveito algum” (Eclo 30,23-25).

A alegria é tão importante quanto o desenvolvimento da inteligência. É sábio dedicar-se ao cultivo da alegria. Como na agricultura, todo cultivo requer cuidado. Cultivar a alegria é coisa de gente inteligente, de gente esperta!


Foto: Daniel Mafra/cancaonova.com

Você é uma pessoa triste?
Existem momentos da nossa vida em que precisamos dar um ponto final na tristeza. Minha mãe foi uma dessas que optou pelo cultivo da alegria em seu coração. Ela sofreu demais com a morte do meu irmão mais velho e, durante muito tempo, a tristeza tomou conta de seu interior. Pense em uma mulher que, durante a vida inteira, foi gastando o seu coração para o bem dos outros, e somada a esse desgaste vem a perda de um filho num dia tão marcante! A tristeza havia habitado seu interior.

Um dia, cheguei para ela e disse: “Mãe, olha pra mim. O Mário se foi! Mas eu fiquei!”.

Ela precisava reagir mesmo sendo idosa. Por mais doloroso que fosse, ela optou por viver a alegria e a paz que só Jesus nos dá. Minha mãe teve que tirar os olhos do meu irmão e olhar para mim. Ela optou, naquela hora, em deixar a tristeza de lado e cultivar a alegria por mim!
Não deixe a tristeza chegar perto

Não sei a sua idade nem quais são as suas perdas. Só sei de uma coisa: é hora de reagir! Olhe para Jesus, pois Ele pode lhe dar a alegria completa. Seja alegre e gere alegria, assim você verá como isso é gratificante! Só conseguiremos contagiar uma sociedade com a “alegria completa” se estivermos ligados a Jesus. Ele é a verdadeira esperança, ele é a verdadeira alegria.

Faça uma radiografia da sua vida, olhe no espelho e pergunte: eu sou alegre? Eu sou feliz? Depois disso, continue a olhar para o espelho e imagine a próxima geração feliz e alegre. Isto é possível ou impossível?

Afirmar que o mundo necessita da sua alegria. Isso é impossível ou possível? Quando falamos em mundo estamos falando em sociedade, em pessoas, e isso precisa causar gratidão em cada um de nós. Este é o maior reconhecimento a que precisamos aspirar: “gerar alegria nos outros”. Nessa vida, podemos ser duas coisas: instrumento de vida ou instrumento de morte. De que lado você está? Seja um especialista em fazer o bem!

Quem não quer ter a alegria no coração? Você conhece pessoas que são inteligentes e sábias, mas tristes? O que você tem cultivado no coração? Tudo que você é e faz tem sido o suficiente para causar alegria?

Cultivar a tristeza é pecado grave. Um fruto que cada um precisa dar é o fruto da alegria, um inesgotável tesouro de santidade!

Cleto Coelho
Missionário da Comunidade Canção Nova


(Extraído do livro “Tem jeito!”)

18/04/2017

Como posso fazer para tirar força de minha fraqueza?


Na onde posso encontrar e tirar força para vencer minhas fraquezas

“Porque quando me sinto fraco, então é que sou forte.” (2 Cor 12,10).Esse versículo parece uma grande contradição paulina.

Como posso tirar força de minha fraqueza? Como posso diante de minha impotência ser potente? Isso só é possível dentro da perspectiva de alguém que se reconhece necessitado de Deus. Alguém que, como Paulo, sabe que sem a ação do Espírito Santo não se pode fazer nada.


Foto: Daniel Mafra/cancaonova.com
Quem era Paulo de Tarso?


Paulo era um cara muito estudado, de inteligência ímpar. Mas sabia que sua humanidade possuía fraquezas. E como lidava com isso?Somente submetendo tudo a Deus.

Fraco não é aquele que possui fraquezas, mas sim, aquele que se rende a elas. Tocar em minhas fraquezas, em meu vazio, é perceber que quando não tenho mais nada posso contar com o Tudo de Deus.

Somos humanos, somos gente. Sentimos dor, sentimos sede, nos sentimos impotentes. Até Jesus em Sua humanidade também sentiu dor. E Ele não teve medo de apresentar as fraquezas d’Ele aos amigos e a Deus. No Getsêmani foi isso que nos foi apresentado de forma clara.
Uma história para ilustrar

Lembro aqui uma história antiga:

Um garoto de dez anos de idade decidiu praticar judô, apesar de ter perdido o braço em um terrível acidente de carro. O menino ia muito bem. Mas sem entender o porquê, após três meses de treinamento, o mestre havia lhe ensinado somente um movimento. O garoto então disse a ele:

– Mestre, não devo aprender mais movimentos?
O mestre respondeu ao menino, calmamente e com convicção:
– Este é realmente o único movimento que você sabe, mas também é o único movimento que você precisará saber.

Leia mais:
.: A superação do sentimento de inferioridade
.: Perseverança e superação são os segredos dos fortes
.: A busca contínua pela paz e a força interior
.: Força para resistir a tentação

Meses mais tarde, o mestre inscreveu o menino em seu primeiro torneio. O menino ganhou facilmente seus primeiros dois combates e foi para a luta final do torneio. Seu oponente era bem maior, mais forte e mais experiente. O garoto usando os ensinamentos do mestre entrou para a luta e, quando teve oportunidade, usou seu movimento para prender o adversário. Foi assim que o garoto ganhou a luta e o torneio. Era campeão.

Mais tarde, em casa, o menino e o mestre reviram cada luta. Então, o menino criou coragem para perguntar o que estava realmente em sua mente:

– Mestre, como eu consegui ganhar o torneio somente com um movimento?
– Você ganhou por duas razões – respondeu o mestre. – Em primeiro lugar, você dominou um dos golpes mais difíceis do judô. E, em segundo lugar, a única defesa conhecida para esse movimento é o seu oponente agarrar seu braço esquerdo.
Conclusão

A maior fraqueza do menino tinha se transformado em sua maior força. Assim, também nós podemos usar nossa fraqueza para que ela se transforme em nossa força. Não podemos ter medo de deixar o Mestre Jesus trabalhar nossa fraqueza. Ele sabe lidar com nosso “húmus”, com aquilo que aparentemente é nossa fraqueza e dela tirar a maior riqueza e fortaleza.


Autor: Adriano Gonçalves

11/04/2017

Agitação interior


O medo nos destrói de dentro para fora

O medo tem a capacidade de nos paralisar o coração

Gostaria de partilhar com você a musica que tocou meu coração, é da Irmã Clenda, que a Adriana gravou em um de seus CDs: Porque tenho medo se nada é impossível para ti / porque tenho medo se nada é impossível para ti? Nada é impossível para ti / nada é impossível para ti /Venceste a morte, pois nada é impossível para ti/Venceste a morte, pois nada é impossível para ti? Nada é impossível para ti / Nada é impossível para ti…

Essa música animou o meu ouvido hoje de manhã ao ouvir o Evangelho da tempestade acalmada por Jesus: “Soprava um vento forte e o mar estava agitado…” (João 6,18). Apesar de serem pescadores e de terem anos de experiência no mar, principalmente pescando à noite, eles tiveram temor. Diz o Evangelho que eles remaram uns cinco quilômetros, ou seja, não estavam muito longe da praia. Mas do que será que os apóstolos de Jesus tinham medo? Por que era noite ou por que o vento agitava o barco e eles temiam morrer? Acredito que a maior tempestade estava no interior deles, e era essa agitação que Cristo queria acalmar. O Senhor quer acalmar os corações, porque o medo é uma ameaça que começa a destruir por dentro, mesmo que haja situações muito concretas no exterior, o medo nos destrói de dentro para fora.

Foto: Daniel Mafra/cancaonova.com
Quem vive com medo não caminha

Quantas situações nos aprisionam as mãos e os pés, colocando em nossas mãos algemas e nos pés correntes! Mas quando isso acontece, é porque o nosso coração já está cativo, a aparente calmaria externa pode revelar um turbilhão de tempestade dentro de nós e enquanto não fizermos como Pedro: estendermos nossa mão para dizer: “Senhor, socorra-me, estou perecendo”, pois o temor tem a capacidade de nos paralisar, e esse mal é a prisão do coração. Quem vive com medo não caminha, anda se esbarrando nas esquinas dos seus sentimentos e tenta completar-se no vazio dos seus sentimentos e dos outros. Quando temos medo de perder, somos aprisionados pelo sentimento de posse, pois onde há temor não há amor verdadeiro.

Quando temos muito medo de morrer, é porque ainda não sabemos viver bem a vida; ou quando vivemos com medo de doenças, não experimentamos ainda o sabor de uma vida saudável. Da mesma forma, quando sentimos medo de nós mesmos, do que seremos capazes de fazer, é porque ainda não nos possuímos, porque não nos conhecemos o suficiente para respeitar os nossos limites e fraquezas. Quanto mais eu me conhecer, tanto menos temor eu terei de mim e daquilo que eu vou encontrar nos lugares escuros do meu interior. Quando temos medo dos outros, das pessoas, talvez ainda não experimentemos o verdadeiro amor por alguém e a capacidade de liberdade que o amor é capaz de nos dar. “O amor lança fora todo temor”.

Leia mais:
:: A cura do medo da morte
:: Perdoar sem medo de amar
:: Como enfrentar os seus medos

Mas Jesus diz: “Sou eu. Não tenhais medo”. O Senhor revela para nós que a coragem, a força do coração, é capaz de mudar o exterior, mas principalmente nos libertar dos labirintos do temor, da escravidão de nós mesmos, dos outros e das coisas, pois Deus nos criou para sermos livres e vivermos em busca do desconhecido; a força que existe dentro de nós, que se chama Deus, mas que é muito maior do que nós. “Eu te buscava fora e estavas dentro de mim”, dizia Santo Agostinho sobre essa força, essa graça de felicidade e vida, que está dentro de cada ser humano, a coragem, a força de Deus, que vence todo medo.

Agora, é preciso remar para dentro de mim e de Deus, onde eu encontrarei a calmaria do conhecimento e da verdade. Aí eu serei livre, livre de todos os temores. De onde eu ouvirei duplamente essa voz de dentro de mim e do coração de Deus: “Sou eu. Não tenhais medo!”.

Minha bênção fraterna.

Autor: Padre Luizinho
Fonte: Canção Nova

10/04/2017

O amor cura


O que não dizer para uma pessoa com câncer

Ninguém nasce forte para sofrer, mas escolhe não se enfraquecer diante das dores, porque escolhe a vida

O que não dizer para uma pessoa com câncer? “ Cabelo é o de menos!”, “O que você sentiu mesmo? Acho que estou sentindo o mesmo. Morro de medo de ter o que você tem!”, “Deus sabe o que faz. Eu não suportaria, é porque você é forte!”, “Deus dá o frio conforme o cobertor!”.

Essas frases não tem nada de consoladoras! Portanto, se uma pessoa que você conhece descobrir que tem câncer, por favor, tire essas palavras da sua lista quando for conversar com ela. Especialmente, se for uma mulher.

Começo falando da frase sobre o cabelo. Sinto muito, mas cabelo não é o de menos! Para a mulher, muito mais do que apenas estética, o cabelo representa boa parte da identidade feminina, e algumas trazem uma história com suas madeixas; então, perdê-las de um dia para o outro não é tarefa simples, mas não é impossível também.



Foto: Arquivo pessoal / cancaonova.com

Lembro-me de quando soube que ia passar pela quimioterapia e fiquei pensando o que faria com meus cabelos. Na época, ele estava no meio das costas e aloirados, como eu tanto gostava! Meu esposo levou-me ao salão e, delicadamente, convenceu-me de que eu ficaria linda com um cabelo mais curto. Foi uma experiência estranha, mas, ao fim, senti-me bem. Porém, aquele corte duraria pouco. A quimioterapia logo começaria. Ganhei da minha mãe uma peruca moderna, daquelas que colam na cabeça e imitam couro cabeludo. Com ela, eu passaria pela multidão e me livraria dos olhares de piedade do tipo: “Pobre moça, tão jovem e com câncer!”. Resolvi me “disfarçar”.

Um dia antes da primeira sessão, raspei a cabeça para colocar a peruca depois. Foi divertido ver a cara de espanto do meu marido, olhando-me careca. Aí falei: “O que foi? Nunca viu?”. Pergunta óbvia! E ele (para meu total espanto) falou: “Agora tenho certeza de uma coisa: você é realmente linda, porque, mesmo careca, você fica bonita. Como pode?”. Achei tão engraçado aquilo! Ele era mesmo apaixonado por mim! E eu fiquei ainda mais por ele.

Estou contando tudo isso para lhe dizer que não é tarefa simples para uma mulher perder os cabelos, eles não são “o de menos”. Por isso, sugiro que você, ao presenciar alguém perder os cabelos, especialmente uma mulher, lembre-se de que só ela sabe o que isso significa para ela. Então, frases do tipo “’Como você quer que eu a ajude se sentir melhor?’ ou ‘O que você acredita que vai combinar com você? Uma peruca ou um lenço? Quer experimentar antes?’” podem fazer mais efeito. Se não souber o que falar, o silêncio não é sinônimo de vazio, ele pode falar mais do que palavras.

Leia mais:
.: O câncer foi um marco em minha vida
.: Na batalha contra o câncer, aprendi a ganhar
.: Conheça o poder de suas palavras

As demais frases que citei acima se referem, naturalmente, ao fato de que, quando uma pessoa passa por um câncer, ela se torna um “para-raio” de informações sobre a doença. As pessoas têm medo de ter o que você teve e algumas querem, com uma ideia hipotética de controlar a própria vida, saber detalhes do que aconteceu para prevenir a doença em si mesmo. Até certo ponto, isso é bom, e eu mesma tenho alegria em ajudar e alertar as mulheres. O ruim é sempre o exagero, quando olham para você e fazem o sinal da cruz, com medo. Elas se esquecem de que o sofrimento é inerente ao ser humano, e que, no dia anterior ao meu diagnóstico, eu também lia nas revistas as histórias de mulheres com câncer e, igualmente, não imaginava que um dia seria um delas. Creio que falta para alguns mais naturalidade à percepção de que somos mortais.
A escolha diante do sofrimento

Dizer “Eu não suportaria, é por que você é forte” é uma verdadeira falácia! Ninguém gosta de sofrer e ninguém se programa para isso, mas quando o sofrimento bate à nossa porta, temos de fazer uma escolha: deixamos que ele defina quem somos, esmagando-nos e nos vitimando, ou decidimos que ele só reforçará o que temos de melhor, e aproveitaremos a vida após essa experiência de uma maneira muito mais sábia e interessante. Então, ninguém nasce forte para sofrer, mas escolhe não se enfraquecer diante das dores, porque escolhe a vida.

Lembro-me de que as frases que mais me faziam bem eram: “Comunguei por você hoje na Missa!” ou “Lá em casa, um mistério do Terço é em sua intenção”. Nossa! Ouvir isso era como um bálsamo. Primeiro, porque a força da oração é capaz de nos sustentar em situações humanamente impossíveis de suportar; segundo, porque saber que alguém se lembrou de nós numa oração, mesmo com tantas outras intenções em sua vida, é prova de que, realmente, ela se importa conosco, e isso faz com que nos sintamos amadas; e o amor cura.

Apesar de ter citado essas frases, entendo perfeitamente que o sofrimento assusta a todos nós. Quantas vezes, diante de uma pessoa que sofria, fiquei sem palavras e até falei besteiras! Então, ouvi frases felizes e infelizes durante meu tratamento, mas não trago nenhum rancor, porque olhei para mim mesma e vi o quanto sou despreparada para lidar com o sofrimento alheio. Assim, não tenho o direito de exigir de ninguém as melhores palavras. Hoje, quando lembro de algumas situações, até me divirto e tento me rever quando me aproximo de algum sofredor. Mas, de qualquer forma, fica a partilha da minha experiência.

Renata Vasconcelos
Missionária da Comunidade Canção Nova


Fonte: Canção Nova