Pare e reflita sobre as virtudes teologais para o cristão e o seu relacionamento com Deus
A forma cristã de existência é a atitude teologal. Normalmente, insiste-se sobre a norma moral ou sobre o preceito do amor como especificidade cristã; na realidade, a existência cristã, na sua essência, é teologal, centralizada sobre Deus.
Para o cristão, a santidade não consiste na observação das normas ou na busca de uma perfeição moral, mas no ter fixo o olhar em Jesus Cristo para imitar a fé, a sua descentralização em direção a Deus. A vida cristã é a consciente relação de Deus como seus filhos – adotivos, diz São Paulo; reais, porque gerados por Deus, segundo São João (cf. Gl 1,13 e 1Jo 3,1). É existência teologal.
Analogicamente, a vida cristã não consiste na eliminação dos defeitos e do pecado, mas no contínuo relacionamento com Deus, no viver na Sua presença. Os judeus tinham 613 preceitos a serem observados, para que fossem perfeitos. A linha profética tinha buscado a redução da lei a elementos essenciais. Davi nos Salmos, Isaías, Miqueias até Habacuc, que reduz o tudo à fé: “O justo viverá pela fé” (Hab 2,4), retomado depois em Rm 1,17 por Paulo. A vida de Cristo (cf. At 9,2) é vida de relação com Deus modulada segundo as dimensões do tempo.
Foto: Daniel Mafra/cancaonova.com
Deus no centro
A nossa existência teologal é a modalidade histórica da única atitude madura possível para o cristão: colocar Deus no centro na vivência cotidiana. A consciência da ação com a qual Deus nos faz vivos é a existência cristã. Nascemos centralizados em nós mesmos (fase narcisista); depois, referimo-nos às coisas e aos outros como absolutos (fase idolátrica), até que chegamos a descobrir que existe um Outro, que é a fonte da vida e da perfeição (fase espiritual ou de fé). Descobrimos, então, que Deus não é um Deus dos mortos, mas dos vivos, porque todos vivem por Ele (cf. Lc 20,38).
Desde o início, a experiência cristã, por seguir a via traçada por Jesus, foi descrita segundo uma particular estrutura teologal. Ter o olhar fixo em Jesus, Autor e Aperfeiçoador da fé (cf. Hb 12,2), conduziu o cristão, necessariamente, a descrever a relação com Deus em termos temporais. Desde os primeiros escritos sobreviventes, a atitude fundamental é indicada com três termos: fé, esperança e caridade, que nós chamamos de virtudes teologais.
Em 1 Tessalonicenses (ano 50/51), a existência cristã já é descrita neste modo: “Agradecemos sempre a Deus por todos vós, recordando-vos sempre nas nossas orações, continuamente colocando-os diante de Deus e Pai nosso do vosso compromisso na fé, da vossa operosidade na caridade e da vossa constante esperança no Senhor Nosso Jesus Cristo” (1Tes 1,3). Paulo, na Carta aos Coríntios, exprime de modo explícito o caráter absoluto das virtudes teologais: “Três são as coisas que permanecem: a fé, a esperança e a caridade” (1Cor 13,13).
Virtudes teologais
As três virtudes teologais são a conjunção temporal de uma atitude de fundo, que é a atitude teologal, de abandono confiante em Deus. Essas são a modulação temporal do relacionamento do cristão com Deus: o passado, o presente e o futuro, do ágape ao presente. Essas três atitudes têm também uma relevância moral, mas estruturalmente são centradas em Deus. O início da vida espiritual cristã, como tal, acontece quando nos convertemos a
Deus como nosso centro vital, não quando passamos do pecado à graça. Também Jesus viveu essa fase e teve de reconhecer Deus como fonte e razão da sua existência.
Quando repreende o jovem que o chama de bom, exprime a convicção que “nenhum é bom se não somente Deus” (Lc 18,19) ou quando afirma que “não faz nada por si mesmo” e que “suas palavras não são suas” manifesta com evidência a riqueza da sua vida espiritual.
A passagem da vida moral à vida teologal , que é a modalidade cristã para passar da vida psíquica à vida espiritual, é a conversão radical que Jesus pede, a modalidade concreta e histórica para viver o seguimento de Jesus, o ter os olhos fixos nele.
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Essas atitudes fundamentais têm relevância moral: sugerem decisões e comportamentos. A santidade cristã não é a perfeição moral que seria ainda o resultado das nossas obras, mas é se tornar transparência de Deus, descobrir que Deus está no centro da nossa existência, como para Jesus. Por isso, a vida espiritual cristã é madura quando é estavelmente teologal e tem Deus como centro. A vida teologal constitui a comunidade eclesial, templo de Deus, e se exprime operativamente nas três virtudes chamadas portanto teologais: a fé, a esperança e a caridade.
A vida espiritual
Por que se desenvolvem essas três expressões da vida espiritual? Elas traduzem a atitude fundamental da pessoa nos confrontos com Deus segundo as três dimensões do tempo: passado (fé), presente (caridade), futuro (esperança) e se conectam diferentemente a existência cristã à ação salvadora de Deus.
Em Paulo, aparece uma estreita conexão entre as virtudes teologais e a referência ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo (cf. 1Cor 13,13; 1Ts 1,3; Rm 5,15; Gal 5,5; Col 1,45; Ef 1,15-18). Buscando explicar a razão dessa conexão, indicamos três pistas de reflexão. As três virtudes teologais dizem do relacionamento do homem com Deus na sua unidade fundamental, mas com específicas referências a Deus como Pai e Filho, como Redentor e ao Espírito como santificador.
É fácil e comum pensar essas três virtudes como três estruturas morais, ao contrário, essas devem ser antes de tudo consideradas como uma estrutura teologal, que tem referência com Deus e em Deus. O surgir dessas três virtudes assinala a passagem da vida psíquica para a vida espiritual.
O âmbito psíquico é dominado pelo passado, pelas conexões com o passado transformado em formas instintivas para um reagir a partir das suas experiências passadas. O âmbito espiritual, ao contrário, é o âmbito no qual se exercita a liberdade que se dirige em direção ao outro e a Deus.
No âmbito psíquico, uma pessoa se sente sujeita à lei moral, centralizada sobre o próprio “eu”; enquanto no âmbito espiritual, o cristão se sente em relação com Deus.
Cada vez que entendemos as três virtudes como estruturas morais, como expressões do nosso “eu”, recaímos no mundo psíquico, em uma espécie de regressão espiritual. Nesse caso, a fé se confunde com a doutrina da fé.
Autor: Padre Anderson Marçal
Fonte: Canção Nova
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