Eu me recordo daquele dia. O professor de
redação me desafiou a descrever o sabor da laranja. Era dia de prova e o
desafio valeria como avaliação final. Eu fiquei paralisado por um bom
tempo, sem que nada fosse registrado no papel. Tudo o que eu sabia sobre
o gosto da laranja não podia ser traduzido para o universo das
palavras. Era um sabor sem saber, como se o aprimorado do gosto não
pertencesse ao tortuoso discurso da epistemologia e suas definições tão
exatas. Diante da página em branco eu visitava minhas lembranças
felizes, quando na mais tenra infância eu via meu pai chegar em sua
bicicleta Monark, trazendo na garupa um imenso saco de laranjas.
A cena
era tão concreta dentro de mim, que eu podia sentir a felicidade em seu
odor cítrico e nuanças alaranjadas. A vida feliz, parte miúda de um
tempo imenso; alegrias alojadas em gomos caudalosos, abraçados como se
fossem grandes amigos, filhos gerados em movimento único de nascer. Tudo
era meu; tudo já era sabido, porque já sentido. Mas como transpor esta
distância entre o que sei, porque senti, para o que ainda não sei dizer
do que já senti? Como falar do sabor da laranja, mas sem com ele ser
injusto, tornando-o menor, esmagando-o, reduzindo-o ao bagaço de minha
parca literatura?
Não hesitei. Na imensa folha em branco registrei uma única frase. "Sobre o sabor eu não sei dizer. Eu só sei sentir!"
Eu nunca mais pude esquecer aquele dia. A experiência foi reveladora. Eu gosto de laranja, mas até hoje ainda me sinto inapto para descrever o seu gosto. O que dele experimento pertence à ordem das coisas inatingíveis. Metafísica dos sabores? Pode ser...
O interessante é que a laranja se desdobra em inúmeras realidades. Vez em quando, eu me pego diante da vida sofrendo a mesma angústia daquele dia. O que posso falar sobre o que sinto? Qual é a palavra que pode alcançar, de maneira eficaz, a natureza metafísica dos meus afetos? O que posso responder ao terapeuta, no momento em que me pede para descrever o que estou sentindo? Há palavras que possam alcançar as raízes de nossas angústias?
Não sei. Prefiro permanecer no silêncio da contemplação. É sacral o que sinto, assim como também está revestido de sacralidade o sabor que experimento. Sabores e saberes são rimas preciosas, mas não são realidades que sobrevivem à superfície.
Querer a profundidade das coisas é um jeito sábio de resolver os conflitos. Muitos sofrimentos nascem e são alimentados a partir de perguntas idiotas.
Quero aprender a perguntar menos. Eu espero ansioso por este dia. Quero descobrir a graça de sorrir diante de tudo o que ainda não sei. Quero que a matriz de minhas alegrias seja o que da vida não se descreve...
Não hesitei. Na imensa folha em branco registrei uma única frase. "Sobre o sabor eu não sei dizer. Eu só sei sentir!"
Eu nunca mais pude esquecer aquele dia. A experiência foi reveladora. Eu gosto de laranja, mas até hoje ainda me sinto inapto para descrever o seu gosto. O que dele experimento pertence à ordem das coisas inatingíveis. Metafísica dos sabores? Pode ser...
O interessante é que a laranja se desdobra em inúmeras realidades. Vez em quando, eu me pego diante da vida sofrendo a mesma angústia daquele dia. O que posso falar sobre o que sinto? Qual é a palavra que pode alcançar, de maneira eficaz, a natureza metafísica dos meus afetos? O que posso responder ao terapeuta, no momento em que me pede para descrever o que estou sentindo? Há palavras que possam alcançar as raízes de nossas angústias?
Não sei. Prefiro permanecer no silêncio da contemplação. É sacral o que sinto, assim como também está revestido de sacralidade o sabor que experimento. Sabores e saberes são rimas preciosas, mas não são realidades que sobrevivem à superfície.
Querer a profundidade das coisas é um jeito sábio de resolver os conflitos. Muitos sofrimentos nascem e são alimentados a partir de perguntas idiotas.
Quero aprender a perguntar menos. Eu espero ansioso por este dia. Quero descobrir a graça de sorrir diante de tudo o que ainda não sei. Quero que a matriz de minhas alegrias seja o que da vida não se descreve...
Padre Fábio de Melo
Fonte: Blog do Padre Fábio de Melo
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