Percorrendo as ruas e avenidas apinhadas nos pontos de transporte coletivo, ou observando as muitas pessoas partindo e chegando a nossos portos, vi muitos olhares e gestos que refletem alegrias e esperanças, tristezas e angústias que, sendo dos homens e mulheres de nosso tempo, são também dos discípulos de Cristo, pertencem também ao horizonte da Igreja, pois não há qualquer realidade verdadeiramente humana que não encontre eco em seu coração (cf. Constituição Pastoral Gaudium et Spes, sobre a Igreja no mundo de hoje, n° 1). Identifico em todos os olhares o desejo de encontrar um oásis no qual se possa beber água viva, uma estação de esperança no meio do burburinho da cidade.
Os cristãos, qual procissão que passa pelas ruas da cidade, trazem em si, ainda que em potes de barro (cf. II Cor 4, 7), o tesouro que é resposta portadora de sentido para a existência humana. “Diante de uma vida sem sentido, Jesus nos revela a vida íntima de Deus em seu mistério mais elevado, a comunhão trinitária. É tal o amor de Deus, que faz do homem, peregrino neste mundo, sua morada: “Viremos a ele e viveremos nele” (Jo 14,23). Diante do desespero de um mundo sem Deus, que só vê na morte o final definitivo da existência, Jesus nos oferece a ressurreição e a vida eterna na qual Deus será tudo em todos (cf. 1 Cor 15,28). Diante da idolatria dos bens terrenos, Cristo apresenta a vida em Deus como valor supremo: de que vale alguém ganhar o mundo e perder a sua vida? (cf. Mc 8,36). Diante do subjetivismo da busca desenfreada do prazer, Jesus propõe entregar a vida para ganhá-la, porque quem aprecia sua vida terrena, perdê-la-á (cf. Jo 12,25). É próprio do discípulo de Jesus Cristo gastar a vida como sal da terra e luz do mundo. Diante do individualismo, o Senhor nos convoca para vivermos e caminharmos juntos. A vida cristã só se aprofunda e se desenvolve na comunhão fraterna. O Ressuscitado nos disse “um é seu mestre e todos vocês são irmãos” (Mt 23,8). Diante da despersonalização, Jesus ajuda a construir identidades integradas” (Documento de Aparecida 109-110).
O segredo é muito simples, pois os cristãos foram marcados com o selo da Santíssima Trindade, tendo sido batizados em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Sim, a Trindade é resposta e caminho a ser percorrido para nosso tempo. A vida mais íntima de Deus não é a solidão, pois Deus é família, Pai e Filho e Espírito Santo. O sentido da vida humana está em viver em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Cada pessoa voltada para fora, superando a inútil e vazia afirmação de si mesma em detrimento dos outros.
Nosso Senhor Jesus Cristo se mostrou continuamente voltado para o Pai, a quem nos ensinou a orar dizendo “seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu”. Para Ele eram fundamentais a intimidade com o Pai na oração nas tantas vezes em que se dirigia a lugares desertos, a sede do Reino que deve vir e estar perto, a certeza de Sua “hora”, conhecida pelo Pai e a confiança absoluta n'Aquele que cuida de todos e de tudo com Sua Providência Amorosa. O Pai, por sua vez, amando o Filho desde toda a eternidade, quer que todos O ouçam e O glorifiquem sempre. O Espírito Santo, que procede do Pai e do Filho, suscita a profissão de fé, anima e acompanha a Igreja e explica todas as coisas, no tempo da Igreja, enquanto esperamos a vinda gloriosa do Senhor. A Trindade Santa não é entendida com a pretensão da inteligência humana, mas é vivida, fruto da graça derramada! A Trindade é um contínuo jogo de amor, desde toda a eternidade. E por este amor livre e gratuito, tudo foi pensado, criado, salvo e santificado!
Quem é cristão peregrina pela vida afora como portador de comunhão e de vida. Ninguém passa em vão ao seu lado, pois é fonte de água viva, conforme a promessa do Senhor. Torna-se braço estendido aos sofredores, voz dos que são mudos ou foram calados, olhos para os cegos, coração capaz de amar a todos. Quando desperta, ao fazer o sinal da cruz, decide-se a viver não em próprio nome ou de qualquer outro, mas vive em nome do Deus uno e trino. Será ele o primeiro a dar o passo, indo ao encontro das outras pessoas, a partir do cumprimento matinal e em todas as suas iniciativas. Com os dons que recebeu de Deus, aplicará sua inteligência para fazer o bem, em todos os ambientes. Sentir-se-á missionário nos encontros e desencontros de seu cotidiano, superando a indiferença, o medo dos outros e a desconfiança. Por causa de sua fé, aprenderá a parar pelas estradas, como bom samaritano, chamado a curar as chagas físicas, emocionais e espirituais das pessoas. De fato, cada cristão é uma estação da vida, na qual os outros podem repousar e se fortalecer.
Dom Alberto Taveira CorreaArcebispo de Belém - PA
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