04/08/2010

Amigos de Jesus aos pés da Cruz


Belas lições nos deixaram também eles

Ao pé da Cruz estava João, modelo de fidelidade. Ele sabia cultivar e colher este fruto do Espírito, porque puro e sincero era seu coração. Sua mente sempre limpa fizera com que merecesse reclinar a cabeça sobre o peito do próprio Cristo na Última Ceia e percebera ao vivo a intensidade do amor que palpitava naquele oceano de dileção. Eis por que firme era seu afeto para com Jesus e esta dileção não conhecia barreiras, não contemplava óbices, não podia nunca ser rompida. Assistira João a morte do grande Amigo e não se aparta d'Ele após o desenlace fatal. Como é comovente lembrar que no Calvário se achavam as piedosas mulheres: Maria Madalena, Maria Cléofas e Salomé.

Fascinadas pela grandeza do divino Redentor, d'Ele não se podiam apartar. Eletrizadas pelo heroismo que contemplavam, não se compadeciam em se afastar da Cruz. Encantadas pelo mistério daquele Homem que, exulado do céu pelo Pai extremoso, na terra, era assim martirizado, subjugadas pela perplexidade de tamanhos tormentos, elas estavam, ali ao lado do Morto divino. Belíssima lição de intrepidez e dedicação na hora do perigo, da desgraça, do desar. Maria Madalena chorava seus pecados. Fora benignamente perdoada, mas agora ela compreendia melhor ainda a gravidade de suas faltas que pesaram tanto no sofrer do Mestre querido.

Ao pé da Cruz, porém, estava vivo, palpitante outro padecimento. Dor silenciosa e muda, mas profundamente sentida. Aflição interior, heroicamente contida, que não se exteriorizava nem pelo soluço. Amargura incomensurável e pungente, mas com características próprias, com sua modalidade peculiar. Era Maria que nas horas de tanto sofrimento, de tanta angústia foi bem a perpetuação de sua adesão à obra redentora. Era Senhora das Dores a ratificação sublime e excelsa de seu pensamento e de sua vida toda aglutinada e vivida em função da homenagem a seu Deus Criador.

O culto da divindade foi continuamente a marca essencial de sua existência e o fundamento de sua personalidade. Deus Criador ao qual vivia em reverência e subordinação contínuas. Diante da Cruz, aderida aos sofrimentos do Filho, acompanhou de perto todos os desvarios da massa humana descontrolada. Entregue à sua tristeza, Maria, durante o tempo em que ali estivera, sofreu, incomensuravelmente, tudo que acontecia a seu amado e dileto Filho. Estava petrificada pelo sofrimento e presa à mais desabrida amargura. Era bem o templo da dor, a casa da consternação. Dores mais profundas e diferentes, porém, iriam esmagar o seu coração amantíssimo. Fariam vibrar todas as suas fibras de pena e de horror. Isso porque seriam da surpresa, da estupefação, do assombro, do espanto, da saudade os padeceres que ainda a aguardavam. Eis por que, enquanto na natureza se esvaeciam as perturbações exteriores, cresciam as ondas interiores da tribulação mais desabrida que invadiam o seu coração materno a contemplar morto o Filho dileto, pregado numa ignominiosa cruz.

Regularizadas, contudo, todas as exigências da lei, dadas amplas explicações às autoridades de então, obtida a indispensável licença, mãos piedosas retirariam o Corpo de Jesus da Cruz. José de Arimatéia, célebre cidade de Judá, seria imortalizada pelo gesto intrépido de seu ilustre filho, ela, a famosa Rama, pátria do grande Samuel, José de Arimatéia, príncipe do Sinédrio, realizaria o significado de seu nome sublime. José quer dizer "Deus dê aumento". Ele aumentou a admiração dos pósteros para com sua pessoa destemida com o gesto grandioso que coroou o refinamento de sua intrépida delicadeza, quando pediu a Pilatos, audacter - ousadamente, o Corpo de Jesus. Subiu as escadas para, da verdadeira árvore da vida, descer o Autor da vida morto por amor.

Nicodemos, nobre fariseu, membro do Sinédrio, um dos poucos judeus graúdos que reconheciam Jesus como Messias, vencedor do povo - niké/demos -, venceu definitivamente o medo que também era ele discípulo oculto do Mestre e isso por temor dos judeus. Inscreveu o seu nome vitorioso nos anais dos belos feitos. Eram dois admiradores de Jesus que, publicamente, O homenagearam. Antes, eram pusilânimes, medrosos, covardes, tímidos, timoratos. No momento, porém, da humilhação suprema do Rabi amado, quais dois leões indômitos e animosos, sem receio da opinião da classe dominante nem de outros muitos que também aprovaram a perseguição a Jesus, intrepidamente, proclamaram sua dedicação ao Amigo a quem antes procuravam ocultamente. No instante da desdita, entretanto, eles O sabem honrar.

Belas lições nos deixaram também eles.

Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos

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