Bento XVI surpreende novamente com a decisão de acolher os ex-pastores anglicanos que acabam de aderir à Igreja Católica; eles receberão o sacramento da Ordem no grau de presbíteros mesmo sendo casados. Entre os clérigos que ingressam no catolicismo, há dezenas de bispos anglicanos; mas estes exercerão, na Igreja Católica, apenas o presbiterado, por serem casados (a Igreja Católica tem maior dificuldade de abrir mão do celibato para o episcopado, porque essa tradição remonta à prática primitiva dos cristãos).
Em todo caso, já é um passo e tanto! Aumenta pouco a pouco o número de “exceções” na lei do celibato, isto é, homens casados ordenados sacerdotes. No direito civil, isso geraria uma jurisprudência e abriria um precedente para se debater a lei geral.
Essa abertura – que é uma confirmação oficial do que João Paulo II já havia permitido caso a caso – mostra que o papa está levando a comunhão a sério; e está disposto a realmente abrir mão de alguns acessórios, por mais preciosos que sejam, para resgatar o essencial.
Ratzinger, logo que assumiu o sumo pontificado, abriu mão do título de “patriarca do Ocidente” em nome da amistosa relação ecumênica com os ortodoxos. Recentemente, reintegrou os lefebvrianos ao revogar sua excomunhão. E agora, declarou que vai visitar a igreja luterana em Roma, em comemoração aos 10 anos da declaração conjunta católico-luterana sobre a justificação (e por falar em luteranos, há que se acompanhar com expectativa o Conselho Ecumênico das Igrejas, que acaba de nomear um pastor luterano para seu secretário-geral; isso teoricamente aproxima a Igreja Católica dessa instituição ecumênica mundial, o que é outra novidade).
Impossível não reconhecer o empenho de Bento XVI pela unidade dos cristãos. O conceito de comunhão, para o Sumo Pontífice, é interessantíssimo: praticar o ecumenismo, para ele, não significa ceder ao relativismo ou abrir mão das próprias convicções; ao contrário, ser ecumênico é ser profundamente católico (as palavras são sinônimas e significam “universal”); portanto, Bento XVI pensa que quanto mais verdadeiramente católico se for, maior capacidade para o diálogo com o diferente se deve ter. Afinal, justamente porque a Igreja Católica não se vê como uma denominação entre as demais, ela entende ter a obrigação de tomar a iniciativa do reencontro, seguindo o preceito de Jesus: “Se você [...] se lembrar de que o seu irmão tem alguma coisa contra você, deixe a oferta aí diante do altar, e vá primeiro fazer as pazes com seu irmão” (Mt 5,23-24).
O importante num diálogo não é saber quem tem mais razão; e sim, quem está mais disposto a dialogar. O evangelho de Jesus Cristo é muito menos um tratado de ortodoxia do que um manual sobre tolerância e misericórdia. Por outro lado, eu só dialogo de verdade com o outro se eu souber bem quem eu sou, se eu me aceitar assim como sou.
A tática pastoral mais ousada do papa é a descoberta de que, no século XXI, faz ainda menos sentido que cristãos fiquem brigando entre si como adversários, enquanto o grande e verdadeiro inimigo da religião cristã em geral vem assolando a Europa e todo o ocidente: o indiferentismo religioso, com suas nuances entre o relativismo e o secularismo.
O lamentável é que, enquanto na Europa o ecumenismo avança e as comunidades vindas da Reforma Protestante criam laços cada vez mais estreitos com a Igreja Católica, a fim de construir entendimentos mútuos e abrir caminhos para a comunhão, na América Latina, ao contrário, fica cada vez mais difícil o diálogo entre católicos e evangélicos (entenda-se aqui sobretudo comunidades neopentecostais e do chamado tele evangelismo). Enquanto em diversas partes do mundo cresce a consciência da tolerância religiosa, entre nós o que vem crescendo é a incidência de monólogos arrogantes, com grande falta de respeito à liberdade religiosa alheia. Assim, a religião acaba deixando de cumprir seu principal papel, que é o de “religar” os homens ao sagrado e também entre si.
Pe.Juliano Ribeiro Almeida, 29 anos,
Presbítero da Diocese de Cachoeiro de Itapemirim-ES
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